Amor até que sobra, o que falta é coragem.
- melcintia
- 10 de abr. de 2019
- 3 min de leitura

Ano passado, depois de um dia inteiro de constelações familiares, ganhei uma frase de um representante, aquele que faz o "papel" de algo ou alguém, no campo da minha mamãe, que guardo até hoje, com muito carinho: "não me mate mais". Não é uma bela frase de alerta?
Muitas vezes nossos pais ainda estão bem vivos fora de nós, andando pra lá e pra cá, mas cá dentro...já morreram há muito, muito tempo. Nos declaramos órfãos por vontade própria, antes mesmo que a vida os tenha levado embora, de fato. Louco, não? Isso é muito comum. Já falei aqui outro dia sobre as “Leis do Amor”, de Bert Hellinger: pertencimento, ordem, equilíbrio.
Olhando apenas para a primeira lei agora, a do pertencimento, a filosofia sistêmica diz que tudo e todos pertencem, que nada deve ser excluído dos nossos sistemas familiares. Ninguém tem o direito de excluir ninguém, quem pertence, pertence e ponto; Décio de Oliveira, meu professor querido, sempre frisou que o mais importante dessa frase é exatamente o ponto). Só que não é bem assim que ocorre, na prática. Basta uma rusga com nossos pais, um julgamento, uma exigência...e sem que a gente perceba, já os excluímos, inconscientemente, dos nossos corações. Eles morrem, mesmo estando vivos.
As imagens e frases fortes, de efeito, que surgem durante um dia de trabalho com as constelações, quando entram no nosso coração, acabam ampliando nossa percepção de pertencimento, ordem e equilíbrio. No início tendemos a ficar perplexos com o "recado" que chega: Como assim eu matei minha mãe? Logo eu que tenho tanto amor por ela? No entanto, aos poucos, aquela compreensão vai se aproximando um pouco mais da nossa alma, até que nos sentimos mais leves, mais apaziguados. Devagar, vamos abrindo espaço para a ressurreição do amor dentro de nós. A paz vai chegando de mansinho, parece mágico, todavia, essa calmaria exige muita "ralação" e mãos à obra! É necessário que a gente abra mão de exigências, controle, dos nossos julgamentos, da rebeldia que paralisa o amor que pode ser curativo, ao invés de nos adoecer.
Não à toa, essa frase: "não me mate mais" volta com força hoje. Acabo de vir de um velório de uma pessoa muito querida, um amigo de algumas boas décadas. Nesse caso, morto por muitos. Em dado momento de raiva, por mim, inclusive. Embora a morte não tenha sido consagrada, com atestado de óbito e tudo o mais a que um morto tem direito, resolvemos que o dia dele morrer chegou. Na verdade, o que foi que esse nosso amigo querido fez para que nos levantássemos todos contra ele, desejando matá-lo? Isso não vem ao caso, é uma história dele.
Contudo, a decisão de exclui-lo ou não dos nossos corações, diz respeito, sim, a todos nós, que fazemos parte de seu círculo social. E que não damos conta de olhar com um pouco mais de amor para o outro, quando esse outro "erra", "escorrega", "vacila", ou seja lá como queiramos chamar uma "pisada de bola". Tomando as dores da "vítima", até certo ponto compreensível, só até certo ponto mesmo, nos identificamos com a inocência dela e sentenciamos de morte o "bandido" ou perpetuador, para a filosofia sistêmica. Escolhemos o lado do outro que julgamos vítima da situação e atiramos fogo contra o resto. Que belo strike!! Só que não. Este "jogo" não favorece a parte que se diz lesada, nem quem provocou o dano, muito menos quem sentenciou de morte o "criminoso".
Neste caso, perdemos todos juntos. O estrago é geral! De repente, deixamos escapar a oportunidade de agirmos como adultos, relembrando as qualidades do "bandido", afinal ele não é um amigo querido, de longa data?. Sem pensar duas vezes, acabamos por reduzi-lo a uma coisa só, no caso, o “erro” cometido. Deixamos escapar a chance de não julgá-lo, pura e simplesmente. Perdemos a brecha de dar a ele o benefício do "erro", e, ao mesmo tempo, de ajudar a "vítima" em questão, a deixar de olhar com inocência para o fato em si, como se não fizesse parte dele. Ficamos com pena dela, tratando-a feito criança: Pobrezinha, tão pequenininha, não dá conta do que o outro lhe fez...Será? Por outro lado, nos enchemos de raiva do "bandido", digo, como é que ele foi capaz de fazer isso com ela? Coitada...
Ao fim e ao cabo, o que sobra é muita dor, uma confusão generalizada, o caos instalado, morte, zero de lei do pertencimento e muito, muito amor cego. Sim, não é a falta de amor que detona os relacionamentos, não é por falta de amor que a lona do circo de horrores, de repente é armada. Amor até que sobra. Ceguinho de tudo, mas sempre está lá! Talvez o que realmente nos falte, seja aquela dose de coragem para encarar o outro com um pouquinho mais de compaixão. Provavelmente porque ainda temos pouca, quase nada, ou nenhuma compaixão por nós mesmos.
Cíntia Melo
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